quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Verdade 0 X 1 Lenda


This is the West, sir. When the legend becomes fact, print the legend.
Mr. Scott, em O Homem que Matou o Facínora

Por Sérgio Siscaro

O que realmente aconteceu na história? A História busca se basear em depoimentos, documentos e mesmo investigações de ciências exatas (como no caso da datação de fósseis) para determinar, na medida do possível, como foi o passado. Em uma escala de tempo menor, essa "versão oficial" dos fatos é aquela divulgada pela imprensa - "se está escrito, é verdade", como diziam os antigos. Esse poder da comunicação deu origem a uma série de distorções, mitos e inverdades que acabaram passando por verdades. Entre a verdade e o mito, publica-se o mito - sempre.

Essa é a linha motriz de um filme que está complentando 50 anos em 2012. Dirigido por John Ford (tratado no último post), O Homem que Matou o Facínora/The Man Who Shot Liberty Valance (1962) é, assim como os clássicos A Montanha dos Sete Abutres/Ace in the Hole (1951) e A Primeira Página/Front Page (1974), uma severa crítica ao processo de mitificação promovido pela mídia - embora, nesse caso, algo involuntária. O filme conta a história de Ransom Stoddard, um senador bem-sucedido que volta à cidadezinha onde sua carreira começou. E aí a narrativa propriamente dita começa, na época em que ele era apenas um advogado do Leste - e que, como tal, cumpre o que se espera dele em um faroeste: é o janota sofisticado e alfabetizado, pouco à vontade com os jeitos rudes da comunidade de pioneiros de fronteira e algo ingênuo.

Ele acaba se indispondo com o valentão local, Liberty Valance (interpretado magistralmente pelo bom e velho Lee Marvin), e o chama para um duelo. É claro que ele seria massacrado pelo vilão, mas vai - um pouco também para impressionar a mocinha Hallie; no entanto, Valance acaba sendo morto por Tom Doniphon (John Wayne, claro!). E, de forma semelhante à usada na novela Roque Santeiro - com sua viúva Porcina, a "que foi sem nunca ter sido" -, todos na cidade pensam que quem livrou a cidade do bandido foi Stoddard.




O vilão

Detalhe melodramático obrigatório: Doniphon também era apaixonado por Hallie, que preferiu a sofisticação do futuro senador. Assim como em Rastros de Ódio/The Searchers (1956), também de Ford, Wayne é aquele personagem de uma era que foi deixada para trás, e que não encontra lugar no Novo Oeste. E cujo funeral daria o motivo para que Stoddard voltasse à cidade, acompanhado da sra. Stoddard (Hallie, claro), anos depois.

Filmão.

Ficha técnica

Título original: The Man Who Shot Liberty Valance
Ano: 1962
Direção: John Ford
Elenco: James Stewart (Ransom Stoddard), John Wayne (Tom Doniphon), Vera Miles (Hallie Stoddard), Lee Marvin (Liberty Valance), Edmond O'Brien (Dutton Peabody), Andy Devine (delegado Link Appleyard), Ken Murray (Doc Willoughby), John Carradine (major Cassius Starbuckle)
Duração: 2h03min


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Mundos do trabalho


Os verdadeiros paraísos são sempre os paraísos perdidos.
Marcel Proust, 1927

Por Sérgio Siscaro

De um lado, a erosão dos valores tradicionais de uma comunidade de mineiros do interior do País de Gales; de outro, a negra sombra do desemprego e das alterações no ambiente de trabalho acelerando esse processo de mudanças. Em termos gerais, essa é a linha de Como Era Verde o Meu Vale/How Green Was My Valley (1941), adaptação do romance homônimo de Richard Llewellyn lançada apenas dois anos antes.

Visto hoje, o filme mostra uma série de problemas - que, na verdade, eram a linha das produções dramáticas da época. Excesso de sentimentalismo, personagens-chavões, situações melodramáticas... No entanto, o roteiro acaba se mostrando uma interessante recriação do universo dos mineiros galeses da virada do século XIX para o XX - marcado por pobreza, condições adversas de trabalho e, claro, desemprego.

Tanto que, no filme, um dos primeiros fatores da "vida moderna" a se instaurar na comunidade é a necessidade de se criar um sindicato para combater a exploração dos proprietários da mina. O jardim do Éden se foi, e o vale nunca mais seria tão verde...


O vale, tão feliz...

Cabe um parêntese. Não vi o novo filme de Steven Spielberg, Cavalo de Guerra/Warhorse (2011), mas ao que parece ele usa uma sensibilidade semelhante em sua primeira metade ao descrever a vida de uma comunidade de pobres camponeses.

Outro ponto forte do roteiro é o de mostrar que a corrosão econômica, digamos assim, é acompanhada pela erosão dos valores de vizinhança. Os fuxicos, fofocas e mesmo atos de violência se instauram - enterrando de vez aquela idílica comunidade galesa. E uma crítica ao sistema educacional da época, marcado por duros castigos corporais, também aparece rapidamente no filme.


Angharad, de volta após um casamento de conveniência

Apesar de poder se prestar a uma leitura conservadora e ilusória (do tipo "no meu tempo as coisas eram melhores"), Como Era Verde Meu Vale também é um documento - de como as pessoas na década de 1940, ainda relativamente próximas de um passado pré-industrial (ou quase), olhavam para trás com nostalgia. E também serve para mostrar aos desavisados que os problemas sociais não são nenhuma novidade.

Do ponto de vista cinematográfico propriamente dito, o filme é um grande exemplo do que Hollywood podia fazer quando delegava suas produções a seus melhores diretores. John Ford, hoje mais conhecido por seus faroestes mitológicos, mostra um domínio de luzes e sombras exemplar; certamente o trabalho do diretor de fotografia Arthur C. Miller colaborou para esse resultado. E algumas cenas do filme - do patriarca saindo de um cômodo sem muita iluminação por uma porta aberta, parecendo que leva o peso do mundo nas costas, e de seu filho mais novo, voltando imundo da mina - remete a outro filme de Ford: Rastros de Ódio/The Searchers (1956), quando o personagem Ethan (vivido por John Wayne) sai do rancho.


O chiaroescuro de Ford

Quanto ao elenco, vale lembrar que o personagem principal, o garotinho Huw, é vivido por Roddy McDowall - sim, o Cornelius dos velhos filmes da série Planeta dos Macacos! E sua irmã Angharad é vivida por Maureen O'Hara (a Esmeralda de O Corcunda de Notre-Dame/The Hunchback of Notre Dame, 1939).
PS: Para quem se liga nessas coisas... O filme ganhou o Oscar de melhor produção de 1941, desbancando um tal de Cidadão Kane/Citizen Kane, de Orson Weles...


Antes da revolta do Planeta dos Macacos...

Ficha técnica

Título original: How Green Was My Valley
Ano: 1941
Direção: John Ford
Elenco: Walter Pidgeon (Mr. Gruffydd), Maureen O'Hara (Angharad), Anna Lee (Bronwyn), Donald Crisp (Mr. Morgan), Roddy McDowall (Huw), John Loder (Ianto), Sara Allgood (Mrs. Morgan)
Duração: 1h58min



segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Em algum lugar, no meio do deserto...



"Ai se eu te pego" - Pluto, para Michel Teló

Por Sérgio Siscaro

O principal motor dos filmes de terror é o medo do desconhecido. Aquela presença, coisa, entidade ou pessoa que está escondida, você não sabe onde, pronta para destruir seu mundo – revelada pela nítida impressão que alguém está vigiando...
O filme Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes/1977), do então quase iniciante Wes Craven (sim, o “pai” de Freddy Krueger, da franquia A Hora do Pesadelo/A Nightmare on Elm Street), pode ser considerado o precursor da onda de filmes sangue-e-tripas (ou slash movies) do final dos anos 70 e início da década seguinte – junto com outro clássico, O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre/1974). Halloween, Sexta-Feira 13, Dia dos Namorados Macabro, Pague para Entrar, Reze para Sair e, claro, A Hora do Pesadelo, são alguns dos filmes que devem aos canibais degenerados de Papa Jupiter alguma reverência.
É claro que o filme teve uma continuação – e em 1985 saiu Quadrilha de Sádicos 2. Dessa vez, aparecem dois sobreviventes do filme original, embora apenas dois sigam filme adiante. Uma é a ex-integrante do bando de selvagens devoradores de carne humana que salva a parada no final do primeiro longa; o outro é um cachorro – que tem direito, claro, a um flashback com cenas do filme de 1977!!!!
Some-se a esses ingredientes muitos adolescentes (motociclistas radicais!), um ônibus quebrado no meio do deserto e, lógico, a turma de Pluto (que também não morreu no primeiro filme), e voilá! Está pronto mais um sangue-e-tripas tipicamente oitentista. É diversão garantida – apesar de estar a quilômetros e quilômetros de distância do filme original, que é beeeem mais assustador!
Foram feitas refilmagens – tanto do primeiro quanto da continuação – na década passada (traduzidos por aqui como Viagem Maldita e O Retorno dos Malditos). O que prova que as boas ideias (mesmo as boas ideias de filmes toscos) já foram feitas – afinal, também receberam refilmagens O Massacre da Serra Elétrica, Halloween, Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo... Lamentável.
Ficha técnica
Título original: The Hills Have Eyes 2
Ano: 1985
Diretor: Wes Craven
Elenco: Tamara Stafford (Cass), Kevin Spirtas (Roy), John Bloom (The Reaper), Colleen Riley (Jane), Michael Berryman (Pluto), Penny Johnson (Sue), Janus Blythe (Rachel/Ruby), John Laughlin (Hulk), Willard E. Pugh (Foster)
Duração: 1h26min