terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Mundos do trabalho


Os verdadeiros paraísos são sempre os paraísos perdidos.
Marcel Proust, 1927

Por Sérgio Siscaro

De um lado, a erosão dos valores tradicionais de uma comunidade de mineiros do interior do País de Gales; de outro, a negra sombra do desemprego e das alterações no ambiente de trabalho acelerando esse processo de mudanças. Em termos gerais, essa é a linha de Como Era Verde o Meu Vale/How Green Was My Valley (1941), adaptação do romance homônimo de Richard Llewellyn lançada apenas dois anos antes.

Visto hoje, o filme mostra uma série de problemas - que, na verdade, eram a linha das produções dramáticas da época. Excesso de sentimentalismo, personagens-chavões, situações melodramáticas... No entanto, o roteiro acaba se mostrando uma interessante recriação do universo dos mineiros galeses da virada do século XIX para o XX - marcado por pobreza, condições adversas de trabalho e, claro, desemprego.

Tanto que, no filme, um dos primeiros fatores da "vida moderna" a se instaurar na comunidade é a necessidade de se criar um sindicato para combater a exploração dos proprietários da mina. O jardim do Éden se foi, e o vale nunca mais seria tão verde...


O vale, tão feliz...

Cabe um parêntese. Não vi o novo filme de Steven Spielberg, Cavalo de Guerra/Warhorse (2011), mas ao que parece ele usa uma sensibilidade semelhante em sua primeira metade ao descrever a vida de uma comunidade de pobres camponeses.

Outro ponto forte do roteiro é o de mostrar que a corrosão econômica, digamos assim, é acompanhada pela erosão dos valores de vizinhança. Os fuxicos, fofocas e mesmo atos de violência se instauram - enterrando de vez aquela idílica comunidade galesa. E uma crítica ao sistema educacional da época, marcado por duros castigos corporais, também aparece rapidamente no filme.


Angharad, de volta após um casamento de conveniência

Apesar de poder se prestar a uma leitura conservadora e ilusória (do tipo "no meu tempo as coisas eram melhores"), Como Era Verde Meu Vale também é um documento - de como as pessoas na década de 1940, ainda relativamente próximas de um passado pré-industrial (ou quase), olhavam para trás com nostalgia. E também serve para mostrar aos desavisados que os problemas sociais não são nenhuma novidade.

Do ponto de vista cinematográfico propriamente dito, o filme é um grande exemplo do que Hollywood podia fazer quando delegava suas produções a seus melhores diretores. John Ford, hoje mais conhecido por seus faroestes mitológicos, mostra um domínio de luzes e sombras exemplar; certamente o trabalho do diretor de fotografia Arthur C. Miller colaborou para esse resultado. E algumas cenas do filme - do patriarca saindo de um cômodo sem muita iluminação por uma porta aberta, parecendo que leva o peso do mundo nas costas, e de seu filho mais novo, voltando imundo da mina - remete a outro filme de Ford: Rastros de Ódio/The Searchers (1956), quando o personagem Ethan (vivido por John Wayne) sai do rancho.


O chiaroescuro de Ford

Quanto ao elenco, vale lembrar que o personagem principal, o garotinho Huw, é vivido por Roddy McDowall - sim, o Cornelius dos velhos filmes da série Planeta dos Macacos! E sua irmã Angharad é vivida por Maureen O'Hara (a Esmeralda de O Corcunda de Notre-Dame/The Hunchback of Notre Dame, 1939).
PS: Para quem se liga nessas coisas... O filme ganhou o Oscar de melhor produção de 1941, desbancando um tal de Cidadão Kane/Citizen Kane, de Orson Weles...


Antes da revolta do Planeta dos Macacos...

Ficha técnica

Título original: How Green Was My Valley
Ano: 1941
Direção: John Ford
Elenco: Walter Pidgeon (Mr. Gruffydd), Maureen O'Hara (Angharad), Anna Lee (Bronwyn), Donald Crisp (Mr. Morgan), Roddy McDowall (Huw), John Loder (Ianto), Sara Allgood (Mrs. Morgan)
Duração: 1h58min



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