quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A cimitarra (encantada) era a lei


Por Sérgio Siscaro

Um dos pontos mais importantes que deve ser respeitado em filmes históricos é a reconstrução fiel (ao menos no que se refere ao conhecimento atual) do passado. Nas últimas décadas, Hollywood tem levado à telona super-produções que buscam reconstituir minuciosamente os figurinos, a arquitetura e os hábitos de povos antigos – ainda que a sua reconstituição psicológica ainda seja subordinada aos roteiros convencionais e ao desejo de colocar frases, modos de pensar e de viver atuais em pessoas de séculos atrás, mais ou menos sutilmente.

E como eram feitos antes esses filmes? Ora, eles basicamente transformavam o passado em um parque temático, no qual atores e atrizes tipicamente norte-americanos encarnavam egípicios, vikings, índios ou samurais sem o menor pudor. A ideologia desses filmes era sempre a mesma: o mocinho se dava bem no final ao conquistar a mocinha e as graças da nobreza. Vistas hoje, essas produções – que nem sempre se levavam muito a sério – são autênticas comédias.


Uma delas é A Espada de Damasco (The Golden Blade), de 1953, dirigida por Nathan Juran – o  mesmo de Simbad e a Princesa (The 7th Voyage of Sinbad/1958), e de alguns episódios da série de TV O Túnel do Tempo (The Time Tunnel), na década de 60. O filme era, basicamente, um veículo de promoção do então jovem ator Rock Hudson, que interpreta o valente Harun em uma Bagdá de As Mil e Uma Noites misturada com Camelot. Ele acaba encontrando a mítica espada de Damasco, que confere a seu detentor o poder político – ou seja, um trono – caso ele seja digno de tal. 

Os ecos de da história de Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda são ensurdecedores; não falta nem mesmo o episódio de se retirar a espada da pedra! Um autêntico A Espada era a Lei (o desenho da disney The Sword in the Stone/1963), feito uma década antes! Claro que, no final, Harun fica com a mocinha Khairuzan – interpretada por Piper Laurie, que, quase um quarto de século depois, faria a tresloucada Margaret White, mãe da protagonista em Carrie, a Estranha (Carrie/1977).


Os anacronismos, clichês e absurdos são um espetáculo à parte – e vão gerar um sorriso de qualquer um que tenha assistido a algum episódio “épico” de O Túnel do Tempo. Das placas e inscrições escritas em inglês ao mágico chinês da corte do califa, passando pelo torneio medieval (com trajes europeus!) e à canastronice do elenco (nesse quesito, Hudson se destaca), A Espada de Damasco pode ser vista como uma espécie de “atração-vovó” da Sessão da Tarde. 

Ficha técnica

Título original: The Golden Blade
Ano de lançamento: 1953
Direção: Nathan Juran
Elenco: Rock Hudson (Harun), Piper Laurie (Khairuzan), Gene Evans (Hadi), George Macready (Jafar), Kathleen Hughes (Bakhamra), Steven Geray (Barcus), Edgar Barrier (o califa)




terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Honra samurai


Because something is happening here
But you don't know what it is
Do you, Mister Jones ?
Bob Dylan


Por Sérgio Siscaro

Na história, os momentos de transição oferecem uma excelente matéria prima para adaptações cinematográficas. Por essa razão, a coexistência nem sempre pacífica entre o velho e o novo, entre a tradição e a modernidade, inspirou vários roteiristas que levaram esses conflitos para as telonas. O Último Samurai (2003), de Edward Zwick (de Tempo de Glória, Nova York Sitiada, Diamante de Sangue, Um Ato de Liberdade), se insere nessa tradição.

No caso desse filme, o momento de transição é o início da Restauração Meiji no Japão – quando o imperador passou a concentrar poderes antes nas mãos do xogunato, ao mesmo tempo em que deixou a política isolacionista do país para trás e começou a ir atrás de ideias ocidentais para se modernizar. Esse processo foi bem-sucedido, ao menos do ponto de vista material: no início do século XX, o Japão já vencia uma potência como a Rússia czarista nos campos de balhata.

Mas O Último Samurai não é sobre as consequências de longo prazo das reformas, mas sobre seu impacto imediato – ou seja, o fim de um mundo marcado pelo domínio do xogum e dos senhores de terras, que tinham apoio na classe dos samurais. O capitão norte-americano Nathan Algren (Tom Cruise), veterano da Guerra da Secessão e traumatizado pelas campanhas de extermínio promovidas por Washington contra os índios, vai ao Japão atuar como consultor militar do imperador.



Ao chegar no Império do Sol Nascente, a prioridade de Algren é a de preparar o exército japonês, que seguia os moldes ocidentais, a enfrentar os últimos bolsões de resistência dos samurais. Essa oposição ao regime foi personificada no filme pelo líder samurai Katsumoto (Ken Watanabe, de Batman Begins, Cartas de Iwo Jima, A Origem) – que irá convencer o capitão Algren de que valores como honra a uma causa ainda são importantes.

O filme de Zwick segue o esperado tradicionalismo das produções hollywoodianas: é didático e linear, tem personagens simplificados (o bom, o mau, o honrado, o aproveitador), os conflitos sociais e econômicos são varridos para debaixo do tapete etc. Além disso é uma história de redenção, com um inevitável happy ending! E talvez não poderia ser diferente, dado o status de O Último Samurai como uma produção cara, cujo protagonista principal era o ator Tom Cruise.




Apesar desses defeitos, O Último Samurai tem claros méritos. Apresenta à audiência um pedaço da história que não é muito conhecido no Ocidente; reúne um conjunto muito bom de atores, destacando-se Cruise, Watanabe e mesmo alguns dos coadjuvantes, como o samurai Ujio (Hiroyuki Sanada, de Ring: O Chamado e da série de TV Lost), que tem pouquíssimas falas no filme. As cenas de luta são bem coreografadas, e a fotografia não é nada má. Mas poderia ousar mais.  

Ficha técnica

Título original: The Last Samurai
Ano: 2003
Direção: Edward
Elenco: Tom Cruise (capitão Algren), Ken Watanabe (Katsumoto), Tony Goldwyn (coronel Bagley), Timothy Spall (Simon Graham), Hiroyuki Sanada (Ujio)