sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Crueldade escandinava

Por Sérgio Siscaro

Não li o livro, e nem assisti à adaptação feita nos EUA. Assim, esta crítica em cima da versão sueca do primeiro livro da trilogia Millennium, de Stieg Larsson – intitulada Os Homens Que Não Amavam as Mulheres  (Män Som Hatar Kvinnor, de2009) – será focada fundamentalmente no filme em si. Questões como a fidelidade da adaptação terão de esperar até eu ler a obra original. 


O filme é bom – uma história focada basicamente na crueldade de homens contra mulheres (daí o título, claro!) e na vingança que uma delas consegue executar. Talvez este seja um dos principais motivos que tornou o livro um best-seller alguns anos atrás (e que levou Hollywood a colocar seu neo-007 Daniel Craig para a versão norte-americana): é uma trama que trabalha bem a expectativa da audiência com relação ao merecido castigo aos malfeitores. 


A história mostra um repórter investigativo em desgraça, Mikael Blomkvist (Michael Nyqvist), que é contratado para resolver um caso de desaparecimento cometido há mais de 40 anos. Nas idas e vindas do filme, ele passa a ser ajudado por Lisbeth Salamander (Noomi Rapace), uma hacker que tem sérias questões pendentes relativas à maldade dos homens sobre as mulheres. 

O desenrolar da trama é quase hollywoodiano, no sentido de explicar direitinho as causas antes dos efeitos, o que às vezes torna algumas cenas e reações previsíveis. Mas as interpretações da dupla principal (e de alguns atores secundários) segura o ritmo bem. E é interessante ver como uma sociedade como a sueca – que para nós, brasileiros, parece um longínquo exemplo de bem-estar social – também é capaz de armazenar ódios e transformá-los em rompantes de violência.

Os Homens que Não Amavam as Mulheres pode ser considerado um filme de mistério policial – afinal, a questão que move Mikael e Lisbeth é descobrir o que aconteceu com a sobrinha do milionário Henrik Vanger em 1966. No entanto, o peso psicológico das situações vividas pela hacker, assim como a própria natureza do caso investigado, dão um jeitão de Arquivo X misturado com O Silêncio dos Inocentes ao filme. Há ainda uma trama de fundo – as disputas entre a revista de Mikael, a Millenium, com um milionário – que não foi, na minha opinião, resolvida de forma muito satisfatória. Se bem que a trama pode ter sido retomada nas continuações...


A versão que eu assisti foi a estendida – ou seja, dois filmes de 90 minutos cada. Além desta primeira parte, foram também produzidas as adaptações dos dois livros restantes da trilogia (A Menina que Brincava com Fogo/Flickan Som Lekte Med Elden e A Rainha do Castelo de Ar/Luftslottet Som Sprängdes, ambos também de 2009) – que, por sua vez, também tiveram versões estendidas lançadas no mercado sueco, que foram exibidas na televisão em episódios de 90 minutos cada.

Ficha técnica

Título original:  Män Som Hatar Kvinnor
Ano: 2009
Diretor: Niels Arden Oplev 
Elenco: Michael Nyqvist (Mikael Blomkvist), Noomi Rapace (Lisbeth Salander), Lena Endre (Erika Berger), Sven-Bertil Taube (Henrik Vanger), Peter Haber (Martin Vanger).
Duração (versão estendida): 3 horas


sábado, 26 de outubro de 2013

Em busca da juventude perdida

A vingança é um prato que se serve frio.
Khan


Por Sérgio Siscaro

Duelo de titãs!
Em sua segunda investida no cinema, a franquia Jornada nas Estrelas finalmente acertou o tom entre uma boa ficção científica e ação. Dirigido por Nicholas Meyer, Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan (Star Trek: The Wrath of Khan), de 1982, é com justiça lembrado como uma das melhores transposições da série clássica de TV da década de 1960 para a telona.

A classe de 1982...
Em linhas básicas, a trama gira em torno da vingança de um vilão do seriado, Khan (interpretado por Ricardo Montalbán). Criado por engenharia genética, ele e um grupo de super-humanos é exilado da Terra em criogenia no então longínquo ano de 1996. Tentam controlar a Enterprise, falham, e são depositados pelo capitão James T. Kirk em um planeta desolado. Quinze anos depois, é hora do ajuste de contas. Em paralelo a isso, há o desenvolvimento de um projeto científico, o Genesis, com o qual é possível transformar matéria inorgânica em orgânica – ou seja, criar vida praticamente do nada. No comando das pesquisas, uma antiga paixão do capitão Kirk, Carol Marcus, e David – o filho que ele nunca conheceu.

Khan aprontando das suas na série de TV
A história transcorre em um ritmo satisfatório, as interpretações (inclusive as canastronices de Montalbán e Shatner) não comprometem, há novos personagens (além da “família” de Kirk, há ainda a oficial vulcana Saavik, vivida por Kirstie Alley, dos seriados Cheers e Veronica's Closet) e cenas memoráveis – como a introdução de larvas nos capacetes do (agora) primeiro-oficial Pavel Checov e de seu capitão Terrell. E, para este resenhista, o filme é especial por ser um dos primeiros que vi no cinema, e na época em que descobri a série de TV na Bandeirantes.  Mas o grande tema de Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan é a morte – sua proximidade e como lidamos com ela.

Essa linha de fundo fica clara tanto ao se discutir o teste para oficiais do Kobayashi Maru (que só foi resolvido por Kirk, e com trapaça, nos seus tempos de Academia) como com a própria morte de Spock no final do filme. OK, ele volta em Jornada nas Estrelas III: Em Busca de Spock, e isso fica óbvio quando o vulcano inicia uma “fusão mental” com seu eterno “amigão”, o doutor McCoy. Mas é um momento que completa e, de certa forma, resolve o dilema que o capitão Kirk exibia desde o início da película: sua crise de meia-idade, na qual ele não aguentava mais ser um prestigioso almirante da Frota Estelar, no lugar de sentar na cadeira de comando de uma nave e sair navegando pelo espaço. O enfrentamento com Khan, a descoberta de seu filho e a morte de seu melhor amigo farão com que chegue ao final da película querendo mais. E garantindo o futuro da franquia, claro!
 
"Vou perseguir Kirk até as luas de Níbia, até o
Maelstrom de Antares e até as chamas da perdição
antes de desistir!"
 
Ficha técnica

Título original: Star Trek: The Wrath of Khan
Ano: 1982
Direção: Nicholas Meyer
Elenco: William Shatner (Kirk); Leonard Nimoy (Spock); DeForest Kelley (McCoy); James Doohan (Scotty); Walter Koenig (Chekov); George Takei (Sulu); Nichelle Nichols (Uhura); Bibi Besch (Carol); Merritt Butrick (David); Paul Winfield (Terrell); Kirstie Alley (Saavik); Ricardo Montalban (Khan).
Duração: 112 minutos


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Espadas flamejantes do Oriente








Por Sérgio Siscaro

O instrumento da vingança volta a caminhar nas trilhas dos trópicos. Finalmente estão disponíveis as seis adaptações para o cinema da saga do Lobo Solitário – um dos quadrinhos japoneses mais importantes e viscerais (e bota vísceras nisso!). A resenha de hoje será focada na quarta produção da franquia, Lobo Solitário: Coração de Pai, Coração de Filho (Kozure Okami: Oya no kokoro ko no kokoro), de 1972, dirigido por Takeichi Saitô, que mais tarde também participaria da produção de alguns episódios da série para a TV.

Ogami, prestes a enfrentar alguns ninjas
Mas antes, um pouco de contexto. Criada em 1970 para os mangás destinados a jovens garotos pelo escritor Kazuo Koike e pelo desenhista Goseki Kojima, a série Lobo Solitário se passada no Japão feudal, durante o regime do xogunato Tokugawa. A trama especificamente ocorre em algum momento do século XVIII. Ito Ogami é o kogi kaishakunin do xogum – ou seja, o samurai especializado em decepar as cabeças dos inimigos do Estado quanto estes cometem o seppuku, ou harakiri. Uma disputa pelo poder leva o clã rival dos Yagyu armar uma emboscada a Ogami, o que lhe custa a vida de sua esposa e a desgraça de seu nome. Ele passa então a vagar pelo Japão como um assassino profissional, acompanhado apenas de seu filho pequeno, Daigoro. Além de exímio espadachim, Ogami conta com um carrinho de bebê com lâminas e uma metralhadora escondidas – o que cai muito bem, já que seus oponentes não lhe dão trégua. Nos quadrinhos, a sanguinolência dos combates é sempre pontuada pela filosofia oriental – mesmo a de Ogami, que decidiu renegar os deuses e seguir o caminho do inferno xintoísta.

Quem será a próxima vítima?
Lobo Solitário: Coração de Pai, Coração de Filho adapta e combina algumas histórias da saga em quadrinhos. Ogami é contratado para matar Oyuki, uma temível assassina tatuada, e nesse meio tempo se depara com Gunbei Yagyu – filho renegado de Retsudo Yagyu, arquiinimigo de Ogami. Foi justamente Gunbei que disputou com Ogami o posto de kogi kaishakunin, e perdeu; por essa razão, seu pai o expulsou em desgraça. Há momentos de combate generalizado, claro, mas também uma simetria entre as histórias de pai e filho entre Ogami e Daigoro e entre a assassina Oyuki e seu pai.

Apesar dos efeitos especiais durante as lutas serem hoje vistos como peculiares, a trama é bem amarrada, alternando picos de ação com períodos de calmaria. Apesar de toda a história de fundo, é possível assistir sem ficar perdido na trama – pode-se dizer que há até uma certo excesso de flashbacks, mas não chegam a comprometer o fluir da história. Se você gosta de filmes de samurai, ou de ação em geral, e achou Kill Bill legal, Lobo Solitário: Coração de Pai, Coração de Filho é uma boa pedida! Após ter colocado nas pratelerias a caixa com os seis filmes da série, uma dica para a distribuidora Versátil: lance também o seriado de TV!


Ficha técnica:

Título original: Kozure Okami: Oya no kokoro ko no kokoro
Ano: 1972
Diretor: Takeichi Saitô
Elenco: Tomisaburô Wakayama (Itto Ogami), Yoichi Hayashi (Gunbei Yagyu), Michi Azuma (Oyuki), Akihiro Tomikawa (Daigoro), Tatsuo Endô(Retsudo Yagyu)
Duração: 81 minutos




terça-feira, 9 de julho de 2013

Guerra Mundial Z - a ameça está entre nós



Por Ana Lucia Venerando

A humanidade está sempre sob ameaça fantasma. E este é justamente o tema do ótimo Guerra Mundial Z, dirigido por Marc Forster - o mesmo de Quantum of Solace. Há muito tempo não assistia a um filme de ação tão bom.

Baseado no livro de Max Brooks, filho do diretor Mel Brooks e um apaixonado pelo tema zumbis (Max também á autor do livro The Zombie Survive Guide),"Z" não é mais um filme de mortos-vivos em busca de cérebros para se alimentar e aterrorizar a plateia. É uma história que nos faz pensar  que o caos pode ser, sim, instalado a qualquer momento. E que, nossa arrogante ideia de que temos tudo sob controle vai por água abaixo quando o desconhecido nós é colocado frente a frente. Será que não foi assim em 11 de setembro?

Bom, vamos ao filme. As cenas iniciais são de telejornais mostrando o caos atual da humanidade: aquecimento global, epidemia de SARS, golfinhos encontrados mortos numa praia qualquer e, por aí vai. Em meio a estas notícias e a panquecas, que começa o o dia da família do ex-agente da ONU Gerry Lane, interpretado por Brad Pitt, também produtor da película e herói na vida real. Aqui vai uma curiosidade: Durante a gravação de uma das cenas de correria, uma figurante caiu e foi pisoteada. A situação só não ficou pior porque o maridão de Jolie ajudou a moça a se levantar.

O filme não cai no chavão de se estender nas cena da família feliz ou de ficar apresentando personagem por personagem. Logo logo o caos está instalado. Centenas de zumbis já correm pelas ruas de Manhattan. Sim. Eles correm. E como correm. Esqueça aqueles zumbis vagarosos. E não é um mal que acomete apenas os EUA. É uma pandemia. Governos caem, presidentes morrem e povos rivais se unem.

Ninguém sabe qual exatamente a origem da peste. Mas a preocupação maior de Gerry é como combater a horda de zumbis. Até porque a segurança de sua família depende do sucesso de sua missão. Assim como o 007, aqui o agente do ONU percorre vários países onde vai pegando migalhas de pistas para que possar encontrar uma camuflagem que ajude a humanidade.




Momentos ótimos com zumbis infestando um avião ou escalando os muros que mantinham Israel intacta.

Vale muito conferir. Ação do começo ao fim. E nada de mão pesada nos clichês que, em um filme como este, é difícil não incluir.

Ah... este pode ser o primeiro de um trilogia. Quem sobreviver, verá.



Ficha Técnica:

Título original: World War Z
Elenco: Brad Pitt, Mirelle Enos, Eric West,
Direção: Marc Forster
Tempo de duração: 116 minutos



segunda-feira, 24 de junho de 2013

Tempos bicudos

Por Sérgio Siscaro



O direito à revolução é reconhecido por todos, isto é, o direito de negar lealdade e de oferecer resistência ao governo sempre que se tornem grandes e insuportáveis sua tirania e ineficiência.
Henry David Thoreau, A Desobediência Civil


Agitação social. Diversas camadas da sociedade vão às ruas – politizados ou não, exigem soluções para suas demandas. A classe política é vista com desconfiança. As forças da repressão utilizam agitadores profissionais para esquentar a temperatura do caldeirão. Protestos no Brasil em 2013? Não, mas as similaridades são preocupantes: trata-se do filme Z, de Costa-Gravas, um clássico do cinema político, focado na situação da Grécia pouco antes do país entrar na chamada “ditadura dos coronéis” (1967-1974).

O enredo tem como figura focal um deputado de esquerda, interpretado por Yves Montand, que vai fazer um comício – e esbarra em diversos obstáculos colocados pela direita, aqui representada principalmente pelos militares. E acontece o inevitável: enquanto o exército assiste passivamente, ele é atacado por manifestantes pagos pela repressão, e o filme passa a girar em torno das mil e uma maneiras pelas quais tenta-se acobertar a manobra. Resta a um procurador (vivido por Jean-Louis Trintignant) tentar encontrar o fio da meada.

Baseado no livro de Vassilis Vassilikos, o filme ficionalizou os acontecimentos em torno da morte do político grego Grigoris Lambrakis, em 1963, e chegou em um momento delicado: quando Z foi lançado, a Grécia já vivia em regime ditatorial.

A vontade de colocar o dedo na ferida é uma constante na cinebiografia de Costa-Gravas. Um ano após Z viria A Confissão (L’Aveau, 1970), focado nas ditaduras do Leste Europeu; Estado de Sítio (État de Siège, 1972),  que trata da repressão na América Latina – no caso, Uruguai; e Desaparecido: Um Grande Mistério (Missing, 1982), novamente no Cone Sul, desta vez abordando os desaparecidos do regime de Augusto Pinochet no Chile.



Ficha técnica:

Título original: Z
Ano: 1969
Diretor: Costa-Gravas
Elenco: Yves Montand (Z), Irene Papas (Hélène), Jean-Louis Trintignant (promotor), Jacques Perrin (fotógrafo).
Duração: 127 minutos




quinta-feira, 13 de junho de 2013

Attica! Attica!



Por Sérgio Siscaro


Existem vários filmes de crimes perfeitos, que mais parecem um manual de como planejar e executar uma ação dessas - seja roubando um banco, um cassino ou o Forte Knox. Mas Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon), de Sidney Lumet, vai na contracorrente: se o filme ensina algo, é como não assaltar um banco.

A história é simples: Sonny (Al Pacino) e Sal (John Cazale) decidem assaltar uma agência bancária na hora de encerramento do expediente.  No decorrer do filme descobrimos que Sonny quer, com o dinheiro da ação, bancar uma operação de troca de sexo em seu amante. Só que, desde o começo, tudo sai errado: há pouco dinheiro no cofre, e um descuido acaba chamando a atenção da polícia. Só resta manter os reféns como forma de negociação.

Tudo sob controle!

O filme não é uma comédia - talvez seja mais adequado classificá-lo como uma tragédia cômica. A falta de preparo dos dois larápios se soma às reações dos reféns e ao circo midiático que se forma em torno do banco. É hilária a cena em que Sonny reclama da brutalidade policial aos gritos de "Attica, Attica!" (em referência a um massacre na prisão novairquina de mesmo nome, em 1971)...

Tanto Pacino quanto Cazale - que haviam contracenado juntos nas duas primeiras partes de O Poderoso Chefão - estão muito bem à vontade no filme: o primeiro como alguém que toma as decisões, mas não quer machucar ninguém; e o segundo como uma autêntica bomba prestes a estourar, custe o que custar. 

Isso não vai dar certo...

A direção de Lumet (conhecido por filmes como Rede de Intrigas, Gloria e Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto) é ágil e eficaz, passando um pouco da claustrofobia do interior da agência bancária e da sensação de "beco sem saída" dos protagonistas na segunda metade do filme. 

Em suma: é um dos grandes filmes subestimados do cinema norte-americano da década de 1970. Faça um favor a você mesmo(a) e vá assistir!

Ficha técnica

Título original: Dog Day Afternoon
Ano de produção: 1975
Direção: Sidney Lumet
Elenco: Al Pacino(Sonny), John Cazale (Sal), Penelope Allen (Sylvia), Lance Henriksen (Murphy)
Duração: 125 minutos

terça-feira, 30 de abril de 2013

O nome ainda é Bond. James Bond.



Por Sérgio Siscaro

Após quarenta anos de continuidade, a franquia 007 resolveu se reinventar no cinema. No lugar de novamente trocar o rosto do agente de Sua Majestade, James Bond, os novos produtores fizeram um reboot: começamos do zero, com o espião britânico iniciando suas missões como o espião com licença para matar. E, para tanto, nada mais natural que começar com o primeiro livro de Ian Fleming sobre Bond: Cassino Royale.

A história, lançada em abril de 1953 (sim, fez 60 anos!), não teve nenhuma versão na "cronologia oficial" dos 20 filmes feitos para o cinema. Mesmo assim, recebeu duas versões: uma para a TV norte-americana, na década de 1950; e outra, paródica, com David Niven e Woody Allen. 

O novo filme conseguiu injetar ânimo na franquia 007? Sim e não. Por um lado trouxe um lado pé-no-chão (apesar dos feitos impossíveis) para o universo bondiano, aproximando-o de filmes de pancadaria mais recente, como os da série Bourne. Por outro, apenas roçou na mitologia de 007 - que, com seus vilões absurdos, traquitanas improváveis e bond-girls às pencas, caracterizavam os filmes de Bond como... filmes de Bond! Essa escolha ficou mais nítida ainda no segundo filme (em breve sairá essa resenha).


Façam suas apostas...


Voltando a Cassino Royale. Um ponto interessante do filme é que mostra um Bond ainda descuidado, sem o controle total da situação que esperaríamos de um Sean Connery. A trama gira em torno da necessidade de desmascarar um banqueiro internacional, Le Chiffre, que financia o terrorismo. O palco? Um cassino de Montenegro (e não Monte Carlo, como se poderia esperar). Há referências à "mitologia 007" aqui e ali, personagens recorrentes ("M", claro, e também o agente da CIA, Felix Leiter).

Bond-girl? Bom, se é um filme de "origem secreta" do super-agente britânico, talvez a escolha por apenas um interesse, digamos, romântico, se justifica. E terá graves repercussões no restante da franquia. 

Um bom filme de ação; se por um lado o ator Daniel Craig não tem muito a ver com um Bond novato (seria talvez uma versão mais outonal no agente), por outro não constrange. Mas a trama poderia ser mais 007...

Ficha técnica

Título original: Casino Royale
Ano: 2006
Direção: Martin Campbell
Elenco: Daniel Craig (James Bond), Eva Green (Vesper Lynd), Mads Mikkelsen (Le Chiffre), Judi Dench (M), Jeffrey Wright (Felix Leiter), Giancarlo Giannini (Rene Mathis)
Duração: 2h24min

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Audazes e malditos


– É Django. Com D mudo!
– Eu sei.
Diálogo entre Djangos



Por Sérgio Siscaro

Não havia como Tarantino errar. Um filme tratando de uma de suas obsessões mais caras (o faroeste), com direito a um grande elenco, orçamento idem e mais de duas horas de projeção. O resultado é Django Livre (Django Unchained), uma fantástica homenagem ao bom e velho western spaghetti, familiar aos brasileiros que assistiam às sessões de Bangue-Bangue à Italiana, décadas atrás.

O estilo do diretor - que pode ser caracterizado por violência, diálogos inteligentes e situações impossíveis - foi  transplantado com sucesso para os EUA do século XIX. A história conta a saga de vingança de um ex-escravo (Jamie Foxx, de Ray), que tem a missão de resgatar a amada das garras do latinfundiário Calvin Candie (em uma ótima atuação de Leonardo DiCaprio). Para tanto, conta com a ajuda de um alemão, o doutor King Schultz (Christoph Waltz, que viveu o hilário coronel Hans Landa em Bastardos Inglórios, também de Tarantino), que o inicia na fina arte de ser um caçador de recompensas.

Explicando os macetes da vida de bounty hunter

O caminho para cumprir essa demanda é árduo, e oferece a oportunidade de conhecermos personagens bizarros - como o sádico que cola páginas da Bíblia na roupa e recita versículos enquanto chicoteia escravos. 

O título, como os cinéfilos mais veteranos devem ter percebido, faz referência a Django, filme de 1966 dirigido por Sergio Corbucci, no qual o ator Franco Nero vivia um pistoleiro que entra em uma cidade arrastando... um caixão! Aliás, o próprio Nero faz uma aparição neste filme de Tarantino – lembrando outra característica do diretor, que é a de ressucitar velhos talentos da Sétima Arte.

O Django original, antes (acima) e agora (abaixo)

Django também traz um velho parceiro de Tarantino, o ator Samuel L. Jackson, impagável como Stephen, um escravo lambe-botas de Calvin Candie. E, em pontas ao longo do filme, traz aparições rápidas do próprio Tarantino e de Tom Savini - responsável pela maquiagem (?) de vários filmes de terror gore (inclusive os mortos-vivos de George Romero) e diretor da refilmagem de A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead) de 1990.

Cuidado, senhor de escravos insano à vista!

Ficha técnica

Título original: Django Unchained
Ano de lançamento: 2012
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Jamie Foxx (Django), Christoph Waltz (Dr. King Schultz), Leonardo DiCaprio (Calvin Candie), Kerry Washington (Broomhilda von Schaft), Samuel L. Jackson (Stephen)




quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A cimitarra (encantada) era a lei


Por Sérgio Siscaro

Um dos pontos mais importantes que deve ser respeitado em filmes históricos é a reconstrução fiel (ao menos no que se refere ao conhecimento atual) do passado. Nas últimas décadas, Hollywood tem levado à telona super-produções que buscam reconstituir minuciosamente os figurinos, a arquitetura e os hábitos de povos antigos – ainda que a sua reconstituição psicológica ainda seja subordinada aos roteiros convencionais e ao desejo de colocar frases, modos de pensar e de viver atuais em pessoas de séculos atrás, mais ou menos sutilmente.

E como eram feitos antes esses filmes? Ora, eles basicamente transformavam o passado em um parque temático, no qual atores e atrizes tipicamente norte-americanos encarnavam egípicios, vikings, índios ou samurais sem o menor pudor. A ideologia desses filmes era sempre a mesma: o mocinho se dava bem no final ao conquistar a mocinha e as graças da nobreza. Vistas hoje, essas produções – que nem sempre se levavam muito a sério – são autênticas comédias.


Uma delas é A Espada de Damasco (The Golden Blade), de 1953, dirigida por Nathan Juran – o  mesmo de Simbad e a Princesa (The 7th Voyage of Sinbad/1958), e de alguns episódios da série de TV O Túnel do Tempo (The Time Tunnel), na década de 60. O filme era, basicamente, um veículo de promoção do então jovem ator Rock Hudson, que interpreta o valente Harun em uma Bagdá de As Mil e Uma Noites misturada com Camelot. Ele acaba encontrando a mítica espada de Damasco, que confere a seu detentor o poder político – ou seja, um trono – caso ele seja digno de tal. 

Os ecos de da história de Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda são ensurdecedores; não falta nem mesmo o episódio de se retirar a espada da pedra! Um autêntico A Espada era a Lei (o desenho da disney The Sword in the Stone/1963), feito uma década antes! Claro que, no final, Harun fica com a mocinha Khairuzan – interpretada por Piper Laurie, que, quase um quarto de século depois, faria a tresloucada Margaret White, mãe da protagonista em Carrie, a Estranha (Carrie/1977).


Os anacronismos, clichês e absurdos são um espetáculo à parte – e vão gerar um sorriso de qualquer um que tenha assistido a algum episódio “épico” de O Túnel do Tempo. Das placas e inscrições escritas em inglês ao mágico chinês da corte do califa, passando pelo torneio medieval (com trajes europeus!) e à canastronice do elenco (nesse quesito, Hudson se destaca), A Espada de Damasco pode ser vista como uma espécie de “atração-vovó” da Sessão da Tarde. 

Ficha técnica

Título original: The Golden Blade
Ano de lançamento: 1953
Direção: Nathan Juran
Elenco: Rock Hudson (Harun), Piper Laurie (Khairuzan), Gene Evans (Hadi), George Macready (Jafar), Kathleen Hughes (Bakhamra), Steven Geray (Barcus), Edgar Barrier (o califa)




terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Honra samurai


Because something is happening here
But you don't know what it is
Do you, Mister Jones ?
Bob Dylan


Por Sérgio Siscaro

Na história, os momentos de transição oferecem uma excelente matéria prima para adaptações cinematográficas. Por essa razão, a coexistência nem sempre pacífica entre o velho e o novo, entre a tradição e a modernidade, inspirou vários roteiristas que levaram esses conflitos para as telonas. O Último Samurai (2003), de Edward Zwick (de Tempo de Glória, Nova York Sitiada, Diamante de Sangue, Um Ato de Liberdade), se insere nessa tradição.

No caso desse filme, o momento de transição é o início da Restauração Meiji no Japão – quando o imperador passou a concentrar poderes antes nas mãos do xogunato, ao mesmo tempo em que deixou a política isolacionista do país para trás e começou a ir atrás de ideias ocidentais para se modernizar. Esse processo foi bem-sucedido, ao menos do ponto de vista material: no início do século XX, o Japão já vencia uma potência como a Rússia czarista nos campos de balhata.

Mas O Último Samurai não é sobre as consequências de longo prazo das reformas, mas sobre seu impacto imediato – ou seja, o fim de um mundo marcado pelo domínio do xogum e dos senhores de terras, que tinham apoio na classe dos samurais. O capitão norte-americano Nathan Algren (Tom Cruise), veterano da Guerra da Secessão e traumatizado pelas campanhas de extermínio promovidas por Washington contra os índios, vai ao Japão atuar como consultor militar do imperador.



Ao chegar no Império do Sol Nascente, a prioridade de Algren é a de preparar o exército japonês, que seguia os moldes ocidentais, a enfrentar os últimos bolsões de resistência dos samurais. Essa oposição ao regime foi personificada no filme pelo líder samurai Katsumoto (Ken Watanabe, de Batman Begins, Cartas de Iwo Jima, A Origem) – que irá convencer o capitão Algren de que valores como honra a uma causa ainda são importantes.

O filme de Zwick segue o esperado tradicionalismo das produções hollywoodianas: é didático e linear, tem personagens simplificados (o bom, o mau, o honrado, o aproveitador), os conflitos sociais e econômicos são varridos para debaixo do tapete etc. Além disso é uma história de redenção, com um inevitável happy ending! E talvez não poderia ser diferente, dado o status de O Último Samurai como uma produção cara, cujo protagonista principal era o ator Tom Cruise.




Apesar desses defeitos, O Último Samurai tem claros méritos. Apresenta à audiência um pedaço da história que não é muito conhecido no Ocidente; reúne um conjunto muito bom de atores, destacando-se Cruise, Watanabe e mesmo alguns dos coadjuvantes, como o samurai Ujio (Hiroyuki Sanada, de Ring: O Chamado e da série de TV Lost), que tem pouquíssimas falas no filme. As cenas de luta são bem coreografadas, e a fotografia não é nada má. Mas poderia ousar mais.  

Ficha técnica

Título original: The Last Samurai
Ano: 2003
Direção: Edward
Elenco: Tom Cruise (capitão Algren), Ken Watanabe (Katsumoto), Tony Goldwyn (coronel Bagley), Timothy Spall (Simon Graham), Hiroyuki Sanada (Ujio)