segunda-feira, 24 de junho de 2013

Tempos bicudos

Por Sérgio Siscaro



O direito à revolução é reconhecido por todos, isto é, o direito de negar lealdade e de oferecer resistência ao governo sempre que se tornem grandes e insuportáveis sua tirania e ineficiência.
Henry David Thoreau, A Desobediência Civil


Agitação social. Diversas camadas da sociedade vão às ruas – politizados ou não, exigem soluções para suas demandas. A classe política é vista com desconfiança. As forças da repressão utilizam agitadores profissionais para esquentar a temperatura do caldeirão. Protestos no Brasil em 2013? Não, mas as similaridades são preocupantes: trata-se do filme Z, de Costa-Gravas, um clássico do cinema político, focado na situação da Grécia pouco antes do país entrar na chamada “ditadura dos coronéis” (1967-1974).

O enredo tem como figura focal um deputado de esquerda, interpretado por Yves Montand, que vai fazer um comício – e esbarra em diversos obstáculos colocados pela direita, aqui representada principalmente pelos militares. E acontece o inevitável: enquanto o exército assiste passivamente, ele é atacado por manifestantes pagos pela repressão, e o filme passa a girar em torno das mil e uma maneiras pelas quais tenta-se acobertar a manobra. Resta a um procurador (vivido por Jean-Louis Trintignant) tentar encontrar o fio da meada.

Baseado no livro de Vassilis Vassilikos, o filme ficionalizou os acontecimentos em torno da morte do político grego Grigoris Lambrakis, em 1963, e chegou em um momento delicado: quando Z foi lançado, a Grécia já vivia em regime ditatorial.

A vontade de colocar o dedo na ferida é uma constante na cinebiografia de Costa-Gravas. Um ano após Z viria A Confissão (L’Aveau, 1970), focado nas ditaduras do Leste Europeu; Estado de Sítio (État de Siège, 1972),  que trata da repressão na América Latina – no caso, Uruguai; e Desaparecido: Um Grande Mistério (Missing, 1982), novamente no Cone Sul, desta vez abordando os desaparecidos do regime de Augusto Pinochet no Chile.



Ficha técnica:

Título original: Z
Ano: 1969
Diretor: Costa-Gravas
Elenco: Yves Montand (Z), Irene Papas (Hélène), Jean-Louis Trintignant (promotor), Jacques Perrin (fotógrafo).
Duração: 127 minutos




quinta-feira, 13 de junho de 2013

Attica! Attica!



Por Sérgio Siscaro


Existem vários filmes de crimes perfeitos, que mais parecem um manual de como planejar e executar uma ação dessas - seja roubando um banco, um cassino ou o Forte Knox. Mas Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon), de Sidney Lumet, vai na contracorrente: se o filme ensina algo, é como não assaltar um banco.

A história é simples: Sonny (Al Pacino) e Sal (John Cazale) decidem assaltar uma agência bancária na hora de encerramento do expediente.  No decorrer do filme descobrimos que Sonny quer, com o dinheiro da ação, bancar uma operação de troca de sexo em seu amante. Só que, desde o começo, tudo sai errado: há pouco dinheiro no cofre, e um descuido acaba chamando a atenção da polícia. Só resta manter os reféns como forma de negociação.

Tudo sob controle!

O filme não é uma comédia - talvez seja mais adequado classificá-lo como uma tragédia cômica. A falta de preparo dos dois larápios se soma às reações dos reféns e ao circo midiático que se forma em torno do banco. É hilária a cena em que Sonny reclama da brutalidade policial aos gritos de "Attica, Attica!" (em referência a um massacre na prisão novairquina de mesmo nome, em 1971)...

Tanto Pacino quanto Cazale - que haviam contracenado juntos nas duas primeiras partes de O Poderoso Chefão - estão muito bem à vontade no filme: o primeiro como alguém que toma as decisões, mas não quer machucar ninguém; e o segundo como uma autêntica bomba prestes a estourar, custe o que custar. 

Isso não vai dar certo...

A direção de Lumet (conhecido por filmes como Rede de Intrigas, Gloria e Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto) é ágil e eficaz, passando um pouco da claustrofobia do interior da agência bancária e da sensação de "beco sem saída" dos protagonistas na segunda metade do filme. 

Em suma: é um dos grandes filmes subestimados do cinema norte-americano da década de 1970. Faça um favor a você mesmo(a) e vá assistir!

Ficha técnica

Título original: Dog Day Afternoon
Ano de produção: 1975
Direção: Sidney Lumet
Elenco: Al Pacino(Sonny), John Cazale (Sal), Penelope Allen (Sylvia), Lance Henriksen (Murphy)
Duração: 125 minutos