terça-feira, 24 de abril de 2012

Cadê a dama que estava aqui?


– They also denied seeing her?
– British diplomacy, doctor. Never climb a fence if you can sit on it. Old Foreign Office proverb.

Por Sérgio Siscaro

Existem duas grandes razões para se assistir um filme antigo – e por antigo, quero dizer com mais de 70 anos. Entretenimento – tanto com a trama em si quanto com relação à como as pessoas faziam filmes, se vestiam, se comportavam etc, além do desempenho dos atores; e um interesse mais, digamos, acadêmico – analisar como a narrativa era passada para a tela, a influência do contexto histórico, sua importância na história do cinema ou na carreira de determinado diretor ou ator etc. Os melhores “old movies”, na minha opinião, acabam chamando a atenção para todos esses elementos. Esse é o caso da produção britânica A Dama Oculta (The Lady Vanishes/1938). 

A dama existe - ou será apenas uma figura da imaginação da heroína?
 Nunca fui admirador dos filmes de Alfred Hitchcock (1899-1980). À exceção de Festim Diabólico (Rope/1948) e Psicose (Psycho/1960), sempre considerei seus filmes previsíveis em seus “finais-surpresa”. Para mim, ele foi injustamente colocado nas alturas do panteão cinematográfico, da mesma forma que os livros de whodunnit da escritora inglesa Agatha Christie já são vistos com menos reservas pela tal da grande cultura, ávida em querer saber se o mordomo é o culpado ou não do crime. 

Mas isso não quer dizer que ele fosse incapaz; muito pelo contrário. Mesmo em seus filmes mais “de fórmula”, o conhecimento técnico das ferramentas que o cinema proporciona e que a narrativa permite é muito bom. E isso já transparece em A Dama Oculta – que é um dos seus primeiros filmes, da chamada “fase britânica”, e que foi relançado recentemente entre nós pela Folha em sua coleção de Cinema Europeu. 

Um caso típico de overbooking na Europa Central.
Tendo como pano de fundo o clima tenso de uma Europa às vésperas da 2ª Guerra Mundial, com o Terceiro Reich de um lado e o Reino Unido do indeciso Neville Chamberlain de outro, e trazendo “misteriosos” países alpinos com seus guardas fardados de forma antiquada e seus idiomas indecifráveis, o filme centra-se, claro, em um punhado de protagonistas britânicos. A princípio hospedados em um hotel, eles embarcam em um trem e logo se encontram em meio ao desaparecimento de uma passageira de um trem – que pode ou não existir. 

Apesar de jogar fortemente para a platéia, usando estereótipos e situações engraçadinhas, o filme também “tira uma” da seriedade e da fleuma dos ingleses – especialmente em uma dupla de passageiros, cujo maior interesse na vida é acompanhar jogos de críquete. Uma boa auto-tiração de sarro (a melhor frase é a que diz que a diplomacia britânica se baseia em não se envolver em “tirar o seu da reta” para não se envolver em nenhum problema), e um prenúncio das tramas “conspiratórias” futuras de Hitchcock. 

"Eu vi, eu juro que vi, ninguém acredita em mim..."
No entanto, o filme – talvez até por ser uma experiência pioneira no campo do mistério “agathachristiano” – se ressente de alguns problemas sérios de ritmo. O início, da apresentação dos personagens, é bastante extensa, ao passo que o grande mote do filme – o desaparecimento da dama e suas consequências imediatas – poderia ter um espaço maior, colocando a sanidade da única testemunha em xeque etc. Há muitos momentos cômicos – nada contra a boa e velha risada tensa em um filme sério, mas descamba, em alguns momentos, para uma quase chanchada. E a resolução parece meio comprimida no final – e usa uma série de coincidências e acontecimentos forçados. 

Mas vale a pena ver – nem que seja para rir dos efeitos visuais limitadíssimos da época. E preste atenção na serenata! 

Hitchcock tirou os coelhos da cartola nesse filme?
PS: Uma refilmagem foi feita em 1979, com Cybill Shepperd (a Gata do seriado A Gata e o Rato). 

Ficha técnica 

Título original: The Lady Vanishes 
Ano: 1938 
Diretor: Alfred Hitchcock 
Elenco: Margaret Lockwood (Iris Henderson), Michael Redgrave (Gilbert), Paul Lukas (Dr. Hartz), Dame May Whitty (Miss Froy), Cecil Parker (Mr. Todhunter), Linden Travers ('Mrs.' Todhunter), Naunton Wayne (Caldicott), Basil Radford (Charters). 
Duração: 1h36min